Este tradicional procedimento cirúrgico foi descrito incialmente por Latarjet em Lyon (França), no ano de 1954. Foi bastante utilizado no passado e com o tempo acabou sendo substituído pelo reparo labral por via artroscópica, que  se tornou extremamente popular na década de 2000, sendo recomendado de maneira quase universal nos pacientes com instabilidade do ombro. Com o tempo, os estudos mostraram que o reparo labral não era tão bem sucedido num grupo de indivíduos, incluindo pacientes com defeitos ósseos ou quando o paciente tinha uma demanda física muito elevada.

Dessa forma, nos últimos anos,  o procedimento de Latarjet voltou a ter uma indicação precisa, especialmente nos pacientes com risco elevado de falha na cirurgia artroscópica. Alguns fatores aumentam muito o risco de falha do reparo de Bankart e portanto nos levam a pensar mais no procedimento de Latarjet. Os principais fatores que comprometem o resultado no reparo de Bankart são: perda óssea acentuada na glenoide ou úmero, idade, esportes competitivos, esportes com braço acima da cabeça e hiperfrouxidão ligamentar. A avaliação destes riscos deve ser individualizada e discutida com o cirurgião.

Melhorias no material e na técnica cirúrgica ajudaram para que o Latarjet se tornasse uma técnica bastante reprodutível e segura. Atualmente, existe uma tendência crescente de uso do Latarjet e alguns cirurgiões preferem até usar o Latarjet para todos os pacientes com instabilidade anterior do ombro. O consenso atual  é escolher a melhor cirurgia para cada tipo de paciente.

ANTES DA CIRURGIA

A cirurgia deve ser realizada em centro cirúrgico bem estruturado, dentro de um hospital com recursos adequados para garantir a segurança operatória e anestésica. Ainda no quarto, após a visita pré-operatória do cirurgião e anestesista, o paciente normalmente recebe uma medicação pré-anestésica para reduzir o estresse e ansiedade antes de ir ao centro-cirúrgico. Chegando lá, é transferido para a uma maca especial cirúrgica, sendo então iniciada a anestesia, que inclui normalmente com um bloqueio anestésico periférico para eliminar a dor e a sensibilidade no local que será operado. Habitualmente é associada uma anestesia geral com quantidade reduzida de anestésico, o que aumenta o conforto e segurança durante o procedimento, sem os efeitos colaterais mais frequentes de uma geral exclusiva, como mal-estar e náuseas.

TÉCNICA CIRÚRGICA

No Latarjet, o processo coracoide é separado de sua base e através de uma abertura longitudinal no músculo subescapular, é transferido para o colo anterior da glenoide e fixado com 2 parafusos. Com isso, dois efeitos principais são atingidos. O componente  ósseo aumenta a superfície da glenoide, dando maior suporte para a articulação. Além disso, o tendão conjunto e a parte inferior do subescapular atuam como um substituto do ligamento gleno-umeral inferior, efeito que chamamos de ‘sling’.

PÓS-OPERATÓRIO

Pós-operatório imediato:

Normalmente não há necessidade de CTI para o pós-operatório, mas esta é uma decisão a ser individualizada de acordo com as necessitades de cada paciente. A internação é habitualmente por cerca de 24 hs, período em que o paciente fica recebendo medicações na veia, incluindo o antibiótico para prevenção de infecção. Muito raramente a internação se estende além deste prazo.

Alta hospitalar e retorno ao consultório para acompanhamento

No momento da alta, são prescritos analgésicos e orientações gerais para um pós-operatório mais confortável. É natural que o paciente sinta algum desconforto no local da cirurgia, mas se as orientações e medicações forem seguidas corretamente, o manejo da dor pós-operatória não será um problema.  O paciente retorna ao consultório na semana seguinte após a cirurgia, para troca de curativo. Os pontos costuma ser retirados por volta de 2 semanas.

Reabilitação pós-operatória

Com relação às atividades e reabilitação do ombro operado, dividimos o pós-operatório em 3 fases:

Fase 1 (até 1 mês pós cirurgia) –  O paciente deverá manter o braço de repouso durante este período. Recomendamos o uso de uma tipóia na maior parte do tempo, mas se o membro estiver de repouso sobre um apoio, a tipoia pode ser retirada durante alguns períodos do dia. Pode-se usar o membro para atividades cotidianas leves que não movimentem o ombro e de forma cuidadosa, como digitação e alimentação. De acordo com a situação, podem ser iniciados exercícios bem simples para que o paciente faça em casa diariamente.

Fase 2 (até completar 3 meses de cirurgia) –  O braço já é liberado para a maioria das atividades cotidianas sem peso, esforço ou movimentos bruscos. Sugerimos o uso da tipoia de forma seletiva, apenas em ambientes com riscos de traumas. Em ambientes controlados, não há necessidade de uso da tipoia. São realizados exercícios e fisioterapia para recuperação de mobilidade e força, de forma cuidadosa e progressiva.

Fase 3  (após 3 meses de cirurgia) – O paciente progride no processo de fortalecimento e finalização dos últimos graus de movimento. Gradualmente vai retornando a suas atividades profissionais e esportivas. Esportes de impacto ou com movimentos bruscos do ombro devem ser evitados por cerca de 6 meses após a cirurgia.

RESULTADOS

Trata-se de uma cirurgia muito resistente com elevadíssimos índices de sucesso, sendo uma ótima opção para pacientes com defeito ósseo na glenoide ou cabeça umeral, ou que praticam atividades com risco aumentado. Apesar da percepção intuitiva da maioria dos indivíduos é que sua recuperação é mais lenta e dolorosa do que a artroscopia, o Latarjet tem um pós-operatório muito confortável e recuperação consideravelmente mais rápida do que o reparo de Bankart. A liberação de atividades esportivas acaba sendo mais precoce, pois após a consolidação do enxerto podemos fazer um retorno gradual com segurança, já que a consolidação óssea do enxerto é mais resistente do que a cicatrização labral.

Por outro lado, o Latarjet envolve mais riscos e a precisão na execução do procedimento é mais crítica do que no reparo labral.  Talvez a principal desvantagem do Latarjet é um maior risco de complicações durante a cirurgia, como infecção pós-operatória e lesões neurológicas, já que se trabalha muito próximo a estruturas sensíveis como o plexo braquial. A maioria dos comprometimentos neurológicos são temporários, mas causam grande estresse para o paciente e médico. Erros no posicionamento do enxerto ou dos parafusos também podem causar danos severos à articulação. Dessa forma, é um procedimento que deve ser realizado por um cirurgião experiente nesta técnica, o que certamente diminui o risco de complicações.