O manguito rotador é um grupo de 4 tendões que conectam a escápula à cabeça do úmero, tendo importante papel na movimentação e biomecânica do ombro. Na tendinopatia calcárea, depósitos de cálcio se formam dentro dos tendões, podendo gerar dor e inflamação.  Existe uma tendência de absorção espontânea dos depósitos, mas o tempo para que isso ocorra é imprevisível.  Se os sintomas forem leves, o tratamento pode ser conservador enquanto aguardamos o processo de absorção espontânea. Quando o incômodo for grande, a artroscopia é o método mais previsível para resolução completa do problema.

O QUE É A TENDINOPATIA CALCÁREA DO OMBRO?

O manguito rotador é um conjunto de quatro tendões, que com seus respectivos músculos conectam a escápula à cabeça do úmero. O ventre muscular (parte do músculo que se encurta com a contração de suas fibras para gerar movimento) de cada um deles está aderido à escápula, enquanto os tendões (estruturas fibrosas rígidas que transmitem a força do movimento muscular ao osso que será movimentado) estão conectados à região superior do úmero. Os quatro tendões que formam o manguito rotador são: o subescapular (localizado na parte da frente do ombro), o supra-espinhal (localizado na parte superior), o infra-espinhal e o redondo menor (localizados na parte de trás do ombro). Os tendões do manguito rotador são responsáveis pela movimentação do úmero, tanto na elevação do braço quanto nas rotações. Outra função muito importante desses tendões é manter a cabeça do úmero centralizada junto à glenoide, conferindo uma estabilidade dinâmica e permitindo que outros músculos potentes possam ter um vetor adequado na movimentação do ombro, como se fosse uma dobradiça dinâmica.

A tendinopatia calcárea do manguito rotador ocorre quando existe a formação e depósito de uma substância cálcica dentro do tendão. Seu mecanismo não é completamente compreendido, apesar de existirem diversas teorias, incluindo características genéticas, alterações metabólicas, redução de vascularização, entre outras. Até o momento nenhuma destas teorias conseguiu ser efetivamente demonstrada cientificamente, e portanto, o fato é que não sabemos realmente qual é a explicação para essa doença.

FIGURA: Ilustração mostrando os tendões do manguito rotador sem alterações (1) e com a presença de um depósito de cálcio (C) no tendão supra-espinhal (2).

COMO OCORRE A TENDINOPATIA CALCÁREA DO OMBRO E QUEM ESTÁ MAIS SUSCETÍVEL?

Não é infrequente que o paciente acabe fazendo alguma associação entre aparecimento dos sintomas com algum tipo de atividade esportiva ou laboral. Mas até o momento esse tipo de correlação não foi constatado cientificamente. Muito pelo contrário, existem evidências de que o aparecimento dos depósitos nada tem a ver com o tipo de atividades praticadas pelo paciente.

Sabemos que por algum motivo, o nosso organismo decide produzir alguns depósitos de uma substância cálcica, formada por cristais de hidroxiapatita e carbonato de cálcio. Dependendo da formação e concentração do conteúdo, assim como da sua fase de maturação, estes depósitos podem ter uma consistência pastosa (como  uma pasta de dente) ou cristalóide, com formação de fragmentos que se assemelham a flocos de neve quando são raspados.

O próprio conteúdo do depósito tem um caráter irritativo, causado inflamação e dor. Além disso, dependendo do seu tamanho e localização, aumenta significativamente o volume do tendão, podendo causar atrito entre o tendão e o acrômio localizado superiormente. Isso gera inflamação e dor no tendão e na bursa. A medida que dor progride, os tendões se tornam menos eficientes na centralização da cabeça umeral e permitem o atrito entre o úmero e o acrômio, o que é chamado de impacto subacromial.

Uma preocupação relativamente frequente que os pacientes trazem é a possibilidade de haver alguma semelhança com câncer. A tendinite calcárea é uma doença benigna e a princípio não devem existir preocupações relacionadas à malignidade da doença.

A história natural da tendinopatia calcárea é a de uma doença auto-limitada, ou seja, mesmo sem um tratamento específico, a tendência é que algum dia haverá uma resolução espontânea do quadro. Da mesma forma que o depósito é formado, aparentemente sem motivo ou explicação, provavelmente um dia irá desaparecer da mesma forma. O grande problema é a impossibilidade de prever quanto tempo durará o quadro, podendo variar entre poucos meses a mais de 10 anos.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS E SINAIS MAIS COMUNS?

O principal sintoma na tendinopatia calcárea é a dor na região do ombro, que pode ser espontânea ou relacionada com alguma atividade esportiva ou profissional. Além do grande incômodo causado pela dor, pode haver limitação para atividades que utilizem o ombro. A intensidade dos sintomas pode variar bastante. Em alguns pacientes, o depósito pode ser até mesmo assintomático.  Por outro lado, existe um grupo de indivíduos em que os sintomas podem ser intensos, causando grande incômodo e interferindo em suas atividades esportivas, profissionais e cotidianas.

Uma outra situação relativamente frequente na tendinopatia calcárea é o surgimento de uma crise de dor aguda e intensa, normalmente com duração entre uma e duas semanas. Não é raro que os pacientes descrevam os sintomas da crise como a pior dor que já sentiram na vida, com intensidade muito superior à do parto ou de cálculo renal. A maioria dos pacientes com tendinite calcárea experimentam crises como esta pelo menos uma vez, mas existem indivíduos que experimentam crises repetidas. Normalmente essas crises são atribuídas ao processo de reabsorção do depósito.  Por isso, recomenda-se não realizar uma cirurgia para ressecção do depósito  neste momento, já que existe uma chance relativamente grande de que o processo esteja sendo resolvido espontaneamente. Por outro, não é infrequente verificarmos que o depósito continua presente mesmo após a crise, geralmente devido à uma reabsorção parcial do depósito.

QUAIS EXAMES PODEM AJUDAR?

O diagnóstico da tendinopatia calcárea depende de uma suspeita clínica, baseada na descrição dos sintomas e exame físico do ombro, mas só pode ser confirmada através de exames de imagem que permitam a visualização dos depósitos. As radiografias simples geralmente são suficientes para visualização dos depósitos de cálcio, sendo suficientes para o estabelecimento do diagnóstico. A ultrassonografia também permite a visualização dos depósitos, mas tem a desvantagem de ser muito examinador dependente. A ressonância magnética não é um exame imprescindível para o diagnóstico da tendinite calcárea, mas tem a vantagem de permitir avaliar lesões associadas quando houver alguma suspeita, como uma lesão do manguito rotador por exemplo.

FIGURA: Fotos de radiografias mostrando depósitos de cálcio no tendão supra-espinhal (C).

QUAL O MELHOR TRATAMENTO PARA O MEU CASO?

O tratamento da tendinopatia calcárea irá depender da sintomatologia do paciente. Tendo em vista que a doença tem um caráter auto-resolutivo, não há sentido em realizar nenhum tipo de tratamento para os paciente assintomáticos ou quando os sintomas forem muito brandos e eventuais.

Nos pacientes em que os sintomas estiverem causando grande incômodo, algum tipo de tratamento deverá ser realizado. Os tratamentos podem ser divididos entre os que visam alívio dos sintomas (sem interferir na presença do depósito) ou os que visam estimular a reabsorção ou ressecar o depósito.

Os tratamentos sintomáticos envolvem medicações e medidas analgésicas e anti-inflamatórias, que incluem medicações via oral, infiltrações,  compressas e medicações locais, assim como manipulações manuais e diversos aparelhos utilizados na fisioterapia. Todas essa medidas tem como objetivo aliviar os sintomas mais agudos, tentando esfriar um processo inflamatório e trazer o paciente para uma situação em que tolere melhor a presença do depósito. Muitas vezes isso é bem sucedido e levamos o paciente para a mesma situação em que se encontram os pacientes assintomáticos, esperando uma reabsorção espontânea.

Dentre os tratamentos que visam a eliminação do depósito de cálcio, incluímos 3 principais métodos.

A terapia de ondas de choque estimula uma reação inflamatória no local que pode resultar na reabsorção do depósito. Apesar de ser um método popular, tem uma eficácia controversa na literatura. Apresenta como vantagem o fato de ser um método não invasivo. Por outro lado, tem como desvantagem uma grande incidência de dor intensa após o procedimento, a imprevisibilidade se a reabsorção irá de fato ocorrer e número de sessões necessários, além do custo elevado.

A barbotagem envolve a perfuração percutânea do depósito com visualização por ultrassonografia. Apresenta a vantagem de ser minimamente invasiva. Por outro lado, como desvantagem inclui o fato de ser muito examinador dependente e apresentar recursos limitados na manipulação do depósito, já que conta apenas com uma agulha.

A artroscopia é o método que apresenta maior eficácia na ressecção do depósito, já que com a utilização de uma fina ótica  (4 mm) conseguimos visualizar exatamente onde se encontra o depósito e com uma gama de diferentes instrumentos conseguimos resseca-lo sob visão direta, com uma maior certeza de que não estamos deixando nada para trás. Além disso, quando o depósito é grande, pode-se imaginar que após a ressecção deixamos um ‘buraco’ no tendão. Através da artroscopia é possível avaliar a extensão do defeito no tendão e se for necessário realizar um reforço do mesmo com fios resistentes.   A desvantagem da artroscopia é que trata-se de uma cirurgia, apesar de ser um método minimamente invasivo.

Independente do método utilizado, ou mesmo no caso da reabsorção espontânea, não é comum a recidiva da doença no mesmo ombro. O que pode ocorrer, é uma absorção ou ressecção apenas parcial do depósito, especialmente quando a artroscopia não é o método escolhido para a ressecção. Não é raro o acometimento bilateral.

PROCEDIMENTOS

  • Tratamento cirúrgico da tendinopatia calcárea *